segunda-feira, setembro 25, 2006

VEJAM UMA ENTREVISTA QUE NOSSO ARTISTA MAIOR DEU AO PORTAL DO IBERÊ CAMARGO

06.09.2006

Eu não gosto de estilo nuncaDesde a década de sessenta, o artista paraibano Antonio Dias vive entre a Europa e o Brasil.


Com uma carreira consolidada e reconhecida também no exterior, o artista vive no Rio de Janeiro, mas também mantém ateliê na Itália e Alemanha.Antonio Dias começou ainda adolescente a se dedicar às artes. Explorou diversas técnicas e está sempre reinventando e pesquisando sua linguagem. Entre as diversas exposições, que participou, estão a Bienal de Veneza, Bienal de São Paulo e Bienal do Mercosul, além de inúmeras individuais e coletivas internacionais.Conheça mais sobre o seu trabalho.No final de década de 1950, você se muda da Paraíba para o Rio de Janeiro e já em 1965 realiza a sua primeira individual internacional, além de participar da Bienal de Paris. Como foi esse início? Você já trabalhava com arte na Paraíba?Não. Eu desenhava por conta própria em casa. Meu avô me dava alguma orientação – não sei porque ele sabia alguma coisa, mas sabia. Mas, eu não tinha modelos, nem quadros em casa, nem livros de pintura. Eu pensava em história em quadrinhos. E, quando eu tive que ir para o Rio, com quase 14 anos, era uma situação completamente diferente, porque não havia dinheiro e tinha ainda que estudar. Eu fiquei estudando por um ano e depois fui trabalhar. No trabalho, eu comecei a ver alguns livros de pintura, porque um colega mais velho, pintor, me deu, e comecei também a fazer umas gravuras no equipamento do escritório. Um engenheiro, que era amigo do Goeldi, viu, me apresentou a ele e pediu para eu ficar lá trabalhando. O Goeldi aceitou, foi ótimo. Eu não tinha estudo para entrar na universidade de Belas Artes, eu tinha 15 anos. Depois, comecei a viver de ilustrações e um pouco de trabalho gráfico. Joaquim Tenreiro começou a comprar trabalhos meus – ele tinha uma loja onde apresentava artistas. Era um fantástico grupo de gente me ajudando. Eu acho que eles achavam que eu era guri demais para estar vivendo sozinho e procuravam me ajudar mesmo.A minha primeira individual foi com 17/18 anos. Saiu no jornal uma crítica boa do Jaime Maurício, a colecionadora mais conhecida da época comprou trabalhos meus e, em seguida, eu mudei de estilo. Lá por 63, deu uma Rê Bordosa na minha cabeça e comecei a achar que não era mais nada daquilo, que era tudo muito comportado, muito certinho, uma cor perto da outra cor, uns marronzinhos. Naquele momento, eu devia estar explodindo em todos os sentidos... Então, num certo momento, eu me tranquei em casa durante dias e comecei a fazer esse outro estilo, que ficou conhecido como o dos anos 60, ou visceral, como dizem – tudo vermelho, preto, branco, violência, sexo, pornô. Fiz, então, uma exposição, que não vendeu nada, mas foi levada, em seguida, para Paris. Foi uma coisa que foi acontecendo naturalmente, eu não sabia o que estava acontecendo, na verdade. Em 1965, eu ganhei o prêmio da Bienal, que dava direito a ficar seis meses na França com uma bolsa. Eu acabei indo no final de 1966. A ditadura militar foi piorando o arrocho e, fora isso, eu fui comecei a ser convidado para algumas exposições, algumas em museus e depois algumas individuais em Berlim. Em Berlim, começaram a pipocar os movimentos estudantis justamente quando eu estava lá. Quando eu voltei para Paris, eles começaram por lá também. E, aí, fui ficando. Fiquei os primeiros cinco anos sem voltar ao Brasil. Você acaba criando uma situação sua lá, que é como se você tivesse vivendo ali. Era o que eu estava fazendo. Depois de Maio de 1968, os franceses não renovaram a minha permissão para ficar lá, e eu fui para a Itália, que foi ótimo. Eu conheci todo um outro tipo de arte que estava sendo feita na Itália, que era muito mais interessante para mim, como a arte povera. Fora isso, conheci outros artistas, que não se viam quase nunca nas exposições francesas, e que eu passei a estimar muito. Também em Milão, aconteceu de, logo de saída, eu encontrar um dos melhores galeristas da época – nós já tínhamos nos encontrado em Paris, na casa de outro -, que me pediu para levar umas obras. Em três meses eu estava com contrato com essa galeria. Foi muita “estrela”, como se diz. Mas tinha também muito trabalho, eu estava sempre procurando trabalhar, mudar, conhecer pessoas, aprender a língua.Eu sempre pensava em ir, procurar outros cantos e hoje até me sinto muito parado. Porque se não, de vez em quando, eu estaria indo para o oriente... uma grande maluquice minha, o oriente, eu gosto de ir para lá, ficar olhando.O teu lugar é um pouco ficar procurando outros lugares?Me interessa muito, quando eu chego num lugar, procurar um material, procurar alguma coisa que me ligue àquele lugar. Não vejo muito como é possível ir de lugar em lugar e permanecer fazendo só aquela coisinha que tem o seu estilo. Eu não gosto de estilo nunca. Quando começa a se estabelecer, eu digo: - tá congelando, pode jogar fora.No meio dessas andanças, você foi para o Nepal e foi importante para o seu trabalho naquele momento. Como foi a experiência?Foi quase há trinta anos. E condicionou o meu trabalho por 10 anos. Depois do Nepal, praticamente até 1988, eu quase não usei tela, pintava em cima do papel. Lá foi uma dessas casualidades. Eu tinha ido pensando em comprar o papel e levar para a Europa. Eu não tinha me informado nada como era aquilo e, quando eu cheguei lá, vi que a única maneira seria comprar em comunidades perto da fronteira tibetana. Fui até lá e encontrei uma coisa tão curiosa que eu decidi passar umas três/quadro semanas até eles fazerem o papel. Só que o tempo deles era enorme, dilatado, uma semana virava um mês tranqüilamente. E, com isso, eu fui ficando e nada ficava pronto. Por isso, eu comecei a fazer outros trabalhos lá com eles. Foi muito interessante, eu procurava fazer trabalhos que pudessem mostrar a eles maneiras diferentes de usar o papel e não usar essa mão-de-obra a toa. Nós fizemos papéis redondos, papéis com rasgos, papéis com segunda camada. Foi muito interessante, mas meio sacrificado. Fiquei cinco meses – 8 kilos a menos.Você tem trabalhos em diversas técnicas e mídias. Como foi se dando essa experimentação?Quando qualquer tipo de trabalho começa a se repetir ou a perder o rumo ou adquirir um rumo meio estilístico repetitivo, eu perco a tesão de trabalhar com aquilo. É igual namoro. Se você tem uma experiência com o trabalho que te levante, você fica superatento a tudo, renova a sua cabeça. Eu acho que a arte tem que fazer isso. É uma troca de estímulos. Isso é um lado. O outro lado é porque tecnicamente essas coisas todas me deixam curioso. Pena que eu não nasci com um computador no meio dos meus brinquedos, senão eu estaria brincando também com isso hoje, mas não vou aprender. Mas, nas coisas, em que eu posso obter uma informação técnica e melhorar, tenho muita curiosidade de ver se elas permitem a existência da arte também ali dentro.Para mim, não é o material ou a técnica que acomoda a coisa. Foi porque houve um certo conceito, uma certa estrada do que eu quero fazer, que escolho o jeito de fazer. Quando eu fui para o Nepal, por exemplo, o que me fez ficar lá, não foi encontrar o lugar onde poderia ser feito o papel para a gravura que eu queria. Quando eu vi como era fabricado o papel, me bateu um trabalho que há três anos eu ficava imaginando como construir e não via materialmente a solução. Lá, eu disse: – vai ter com este material. E foi botar esse trabalho inteiro para frente que me fez realmente ficar. Eu voltei com ele para a Europa pensando no que iria resultar a virada tamanha que dei no meu trabalho. Havia a possibilidade de eu me dar muito mal do ponto de vista mercadológico. Houve a casualidade das galerias dizerem: – que legal, que ótimo, vamos fazer a exposição logo. Fui à Bienal de Veneza com o trabalho também.Como é o teu processo criativo? Você vai ao ateliê todos os dias?Não, não vou todos os dias, não trabalho seguido, muitas vezes fico a toa mesmo. Mas o a toa meu significa estar lendo certos livros, de onde começo a seguir uma pista, pode ser biologia. Essa série de pinturas dos últimos anos, chamada Autonomias, vem toda de uma série de leituras que eu fiz de Francisco Varela, um biólogo chileno, que fala das células como coisas autônomas. E, no meio dos trabalhos eu misturo os conceitos e vou vendo como eles começam a existir ou a coexistir na arte. Mas, é isso. De repente pára também, você cansa. Às vezes, você é obrigado a desistir porque não tem onde colocar, ninguém se interessa.O que você está pesquisando agora?Agora estou pesquisando só para mim, sem objetivo de exposição, pinturas nuns formatos meio estranhos, com materiais novos, cores e superfícies diferentes. Mas é um pequeno trabalho que eu faço com espírito de laboratório. E tenho filmado em vídeo muita coisa. Acabei de editar o primeiro trabalho de vídeo, depois de 25 anos, e vou apresentar em novembro no Rio. Chama-se Derrotas e Vitórias e é dedicado ao meu neto. A cor é sempre presente no seu trabalho. Como ela funciona para você?É engraçado, porque eu quase me considero um incapaz de colorir. Então, periodicamente eu faço uma espécie de laboratório. Por exemplo, eu pego aquarela e trabalho três meses com aquarela para ver se consigo entender melhor. Eu sou quase maniqueísta nas cores, é tudo preto ou branco, ou cobre ou ouro. Ultimamente eu tenho experimentado com alguns materiais que são venenosos para manipular e tem cores diferentes, como o verde limão. Na Bienal do Mercosul, tinha um quadro grande que era meio estourado de pigmentos, mais ou menos nessa linha. Mas é sempre uma tentativa minha de vencer o problema de eu não ser um colorista e sim um grafista.Como foi fazer gravura aqui no Ateliê de Iberê Camargo? Você conheceu Iberê?Fazer a gravura foi uma coisa muito simpática, o ateliê é ótimo. A convivência com o Eduardo e com o Marcelo lá dentro foi de uma simpatia única. Nós resolvemos tudo em pouco tempo. Eu tinha começado como gravador, então eu sei mais ou menos o que fazer. Embora eu faça muito pouco, esse é um meio que eu realmente eu gosto. O Iberê eu conheci logo cedo. Quando eu entrei pro Goeldi, tinha uma amiga gaúcha, que estudava na mesma sala, e conhecia o Iberê. Ela me levou para conhecê-lo. Ele já era um mestre em metal e sempre foi muito afável ao conversar, dava as opiniões dele sempre muito francas, o que nem sempre todo mundo gosta. E, assim nos conhecemos e de vez em quando a gente se via. Eu ia ao ateliê dele com o Vergara, com o Antônio Grosso, com amigos, mas não foram muitas ocasiões. Mais tarde, me encontrei com ele poucos anos antes de ele vir pro Rio Grande. Já era um bocado de tempo que a gente não se via, dei um abraço grande nele. O Iberê para mim tem um approach ético com o trabalho que quase ninguém tem.

0 Comentários:

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial