quarta-feira, setembro 20, 2006

DEU NA REVISTA CONTINENTE DO RECIFE, LEIA É INTERESSANTE

Edição Nº69- Setembro de 2006

ARTES
Arte contemporânea em interface com a cidade
Semana de Artes Visuais do Recife (SPA das Artes) chega à quinta edição como um evento consolidado que investe na experimentação e na aproximação da arte com o espaço urbano
Por Olivia Mindêlo Enquanto bienais, salões, museus e galerias legitimam a arte contemporânea por meio de um rigoroso discurso crítico da curadoria, que muitas vezes até distancia a obra do espectador, eventos como a Semana de Artes Visuais do Recife (o SPA das Artes) procuram fazer um movimento contrário, mais experimental, próximo do público e um pouco mais livre de amarras estéticas e conceituais. A iniciativa, que consolida sua quinta edição em vários pontos da cidade entre os dias 10 e 16 deste mês, não tem a intenção de negar a importância do papel das instituições para a produção atual, até porque tem o aval e o suporte da Prefeitura do Recife, mas desde o início se coloca como uma alternativa muito menos formal e mais democrática, tanto para os artistas quanto para o público, de se produzir, pensar e consumir arte no ambiente urbano. “A gente queria criar um evento sem o recorte dos salões, cada vez mais restritos à entrada de artistas convidados. A idéia foi, de início, mapear a produção na cidade e, além disso, promover um evento em que as pessoas que não têm acesso aos poderosos curadores pudessem participar livremente para expor seus trabalhos”, conta Maurício Castro, artista plástico e um dos fundadores do SPA das Artes, em 2002, junto com outros criadores e gestores públicos da época, como Rinaldo da Silva, José Paulo, Fernando Augusto e Fernando Duarte. Foi a partir de um compromisso político, portanto, que se foi moldando o perfil do SPA, hoje um espaço em que cabem tanto idéias mais complexas quanto manifestações visuais espontâneas, como é o caso das grafitagens, intervenções com cartazes do tipo lambe-lambe ou pinturas nos muros da cidade, expressões imbricadas à linguagem urbana da publicidade, do design, do quadrinho. Essa produção independente, proveniente também da periferia, está sempre no SPA de alguma maneira. Não mais naquele ideal um pouco ingênuo de que todos participam, até porque o evento costuma repetir alguns artistas e dispõe hoje de uma seleção para a concessão de bolsas, a chamada Semanada de Incentivo à Produção. No entanto, não deixa de ser a iniciativa de artes visuais mais aberta da cidade, os próprios não selecionados podem expor seus trabalhos, desde que disponham de condições financeiras para tal. Por fim, a Semana das Artes ainda consegue manter a prática de abrigar uma pluralidade de suportes: desenhos, pinturas, instalações, vídeo-arte, xilogravuras, publicações, grafites e, sobretudo, intervenções urbanas e performances, que se tornaram uma marca do evento. Se não se figuram mais uma novidade na tal tendência desmaterializante da obra de arte contemporânea, as intervenções visuais e sonoras, assim como as performances, cumprem talvez o maior mérito do SPA: transformar a rotina da metrópole através de ações e idéias que investem na interface com a cidade, com os transeuntes, dando-lhes acesso direto às artes visuais feitas atualmente. Longe dos espaços fechados e consagrados de arte, é em ruas, avenidas, parques e pátios do Recife, especialmente do Centro, onde o SPA constrói sua principal vitrine, seu amplo palco de exposição cujo foco é a urbe. “Eu gosto do SPA porque é um evento bem aberto, faz a arte contemporânea, que muitas vezes é chata e hermética, ficar perto das pessoas e da cidade”, reforça Lourival Batista, o Cuquinha, artista que já armou um varal de roupas de uma margem a outra do Rio Capibaribe e amarrou com cordas a Ponte Duarte Coelho com a da Boa Vista, em duas edições passadas do evento. A exceção e novidade este ano é a existência na programação do SPA do prédio da antiga Western, na Praça do Arsenal, no Recife Antigo, que vai servir de abrigo para algumas obras e ponto de encontro do evento. É lá onde vão estar ancorados trabalhos como o da paulista Kika Nicolela, selecionada pelo concurso da Semanada para trazer o vídeo-instalação Face a Face, obra que convida o espectador a gravar respostas a cinco perguntas sobre o amor, que serão editadas e, a cada dia, transformadas numa nova versão de vídeo a ser projetado no local. Contudo dos 27 artistas pernambucanos e de outros Estados escolhidos para receber as bolsas este ano, 20 estarão fora de quatro paredes para mostrar seus trabalhos, seja em cartazes nos muros, projeção de imagens em prédios de uma avenida movimentada ou numa ação performática, que geralmente explora o estranhamento e suscita espanto, curiosidade ou até repúdio por parte dos espectadores. “Fazer uma performance num museu não tem muita graça, porque as pessoas ali são intelectualizadas e já conhecem o que seja a proposta. Na rua, apanham-se muitas surpresas. Eu gosto desse movimento, de fazer com que pessoas como o amolador de alicate, o camelô, o ambulante, vejam. Mesmo que não identifiquem como uma proposta estética, aquilo vai mexer com eles de alguma maneira, principalmente se for uma imagem forte”, analisa a pernambucana Amanda Melo, artista que protagonizou, no SPA 2003, uma das performances mais marcantes da história do projeto, intitulada Isolante. Nua e enrolada da cabeça aos pés com fita adesiva preta, ela propôs uma relação com os transeuntes fazendo um percurso a pé pelos arredores do Pátio de São Pedro, no Bairro de São José. Quem volta a participar do evento, através de bolsa da Semanada, é outra artista que está na lista do Rumos 2006 a também pernambucana Tereza Neuma. Pela segunda vez, ela leva ao SPA uma intervenção sonora, com inserção de voz em rádios FMs da cidade. Para a artista, ações como essas geram um estranhamento típico da arte feita na atualidade. “É legal, porque provoca uma reflexão no sujeito”, reitera. Partilha da mesma opinião a já consagrada artista pernambucana Christina Machado, que participa pela terceira vez consecutiva do evento (segunda com bolsa). Elas são alguns dos artistas que compõem o grupo de selecionados para a Semanada de Incentivo, elegidos por uma comissão julgadora formada por Luiz Camilo Osório, doutor em filosofia pela PUC do Rio de Janeiro e crítico de arte do jornal O Globo; Maria do Carmo Nino, professora de artes da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e curadora, e pelo próprio Maurício Castro, hoje afastado da coordenação do SPA. Vale lembrar que a Semanada serve de apoio e termômetro. O elemento surpresa, que eclode de trabalhos inesperados na programação, sempre vem como um tempero especial num evento experimental e cheio de “riscos” como esse, às vezes chamando até mais atenção do que alguns selecionados. Há de se aguardar outras “loucuras” vindo por aí. (Leia a matéria na íntegra, na edição nº 69 da Revista Continente Multicultural. Já nas bancas)


Olivia Mindêlo é jornalista

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